quinta-feira, 29 de maio de 2014

Her e Hopper

O filme Her (2013, Ela em português) traz um universo do futuro misturado com o passado. O filme mostra o protagonista que se apaixona por um sistema operacional em situações do cotidiano onde está sempre solitário em meio a multidão. Mostra um mundo em que as pessoas estão cada vez mais absortas em seus mundos particulares por meio da tecnologia.
Ainda no início do filme, em uma cena com sua amiga, esta mostra um vídeo que fez de sua mãe dormindo e reflete sobre como quando estamos dormindo estamos livres para viver em nossos sonhos. Como acontece com o personagem principal em seu relacionamento com o sistema operacional de seu computador. É como se vivesse em um sonho o filme todo, como se estivesse dormindo, mas em seu caso, é a vida real e o tempo passa. Em seu relacionamento o personagem cresce e supera outras questões mal resolvidas.
Boa parte das cenas se passam em ambientes onde há pouca interação social, onde as pessoas se cruzam nas ruas mas não se conhecem, num ambiente de uma grande cidade. O filme lembra muito o artista Edward Hopper (1882-1967) e sua solidão na cidade. Focado em seu relacionamento virtual, o protagonista é sempre mostrado na grande cidade, mas isolado. Ele faz uma viagem, mas para o lugar onde vai não há ninguém além dele mesmo. São paisagens completamente vazias ou vazias de sentido que me fizeram lembrar Hopper, até mesmo em um frame do filme onde o protagonista olha pela janela a grande cidade e a luz invade seu apartamento, revelando sua solidão, como na obra de Hopper. Abaixo algumas imagens do filme e de Hopper.

 Cartaz do filme

Imagem do filme


 Edward Hopper_Cadeira



Edward Hopper_Nighthawks

sexta-feira, 14 de março de 2014

ODRADEK




Alguns derivam do eslavo a palavra Odradek e querem explicar sua formação mediante essa origem. Outros a derivam do alemão e admitem apenas uma influência do eslavo. A incerteza de ambas as interpretações é a melhor prova de que são falsas; além disso, nenhuma delas nos dá uma explicação da palavra.
Naturalmente ninguém perderia tempo em tais estudos se não existisse realmente um ser chamado Odradek. Seu aspecto é o de um carretel de linha, achatado e em forma de estrela, e a verdade é que se parece feito de linha, mas de pedaços de linha, cortados, velhos, emaranhados e cheios de nós, de todos os tipos e cores diferentes. Não é apenas um carretel; do centro da estrela sai uma hastezinha e nesta se articula outra em ângulo reto. Com a ajuda desta última de um lado e um dos raios da estrela do outro, o conjunto pode ficar em pé como se tivesse duas pernas.
Seriamos tentados e crer que esta estrutura teve alguma vez uma forma adequada e uma funçao, e que agora apenas está quebrada. Entretanto, esse não parece ser o caso; não há pelo menos nenhum sinal disso; em parte alguma se vêem remendos ou rupturas; o conjunto parece sem sentido, porém completo à sua maneira. Nada mais podemos dizer, porque Odradek tem extraordinária mobilidade e não se deixa capturar.
Tanto pode estar no forro, como no Vão da escada, nos corredores, no saguão. Ás vezes passam-se meses sem que alguém o veja. Terá se aninhado nas casas vizinhas, mas sempre volta à nossa. Muitas vezes, quando cruzamos a porta e o vemos lá embaixo, encostado ao balaústre da escada, temos vontade de falar-lhe.
Naturalmente não se fazem a ele perguntas difíceis, mas sim o tratamos – seu diminuto tamanho nos leva a isso – tal qual uma criança. “Como te chamas?”perguntam-lhe. “Odradek”,diz. “E onde moras?” “Domicilio Incerto”, responde , e ri, mas é um riso sem pulmões. Soa como um sussurro de folhas secas.
Geralmente o diálogo acaba aí. Nem sempre se conseguem essas respostas; por vezes guarda um silêncio, como a madeira de que parece ser feito. Inutilmente me pergunto o que acontecerá a ele. Pode morrer? Tudo que morre teve antes um objetivo, uma espécie de atividade, e assim se gastou; isto Não acontece com Odradek. descerá a escada arrastando fiapos frente aos pés de meus filhos e dos filhos de meus filhos? Não faz mal à ninguém mas a ideia de que possa sobreviver-me é quase dolorosa para mim.
Franz Kafka


Heloisa Oliveira, Dança I em exposição no MASC até 23/03/2014