terça-feira, 29 de outubro de 2013

Leminski

"O indispensável in-útil

As pessoas sem imaginação estão sempre querendo que a arte sirva para alguma coisa. Servir. Prestar. O serviço militar. Dar lucro. Não enxergam que a arte (a poesia é arte) é a única  chance que o homem tem de vivenciar a experiência de um mundo da liberdade, além da necessidade. As utopias, afinal de contas, são, sobretudo, obras de arte. E obras de arte são rebeldias.
A rebeldia é um bem absoluto. Sua manifestação na linguagem chamamos poesia, inestimável inutensílio.
As várias prosas do cotidiano e do(s) sistema(s) tentam domar a megera.
Mas ela sempre volta a incomodar.
Com o radical incômodo de uma coisa in-útil num mundo onde tudo tem que dar um lucro e ter um por quê.
Pra que por quê?"

LEMINSKI, Paulo. Ensaios e Anseios Crípticos. Curitiba: Pólo Editorial do Paraná, 1997, p.78-79.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Warhol e o noticiário

Folheando mais uma vez o livro do Archer, encontrei algo muito atual, uma declaração de Andy Warhol em 1963, substitua rádio por tv e internet: 

“Era Natal ou o Dia do Trabalho – algum feriado – e, toda vez que você ligava o rádio, eles diziam algo como ‘quatro milhões de pessoas vão morrer’. Foi aí que começou. Mas, quando você vê uma figura medonha repetidas vezes, ela não produz nenhum efeito”. 
Archer: “Uma história coberta por todos os noticiários do dia, relatada em todos os jornais e analisada em todas as revistas, logo perde seu caráter de coisa imediata e começa a ser absorvida pelos sistemas de comunicação através dos quais se tornou disponível” 

(ARCHER, Michael. Arte contemporânea Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p.10-11)

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Desde o ano passado a arte e a sua história, concepções vem se revelando para mim em uma maior intensidade.
A algum tempo atrás eu descobri que a arte era da ordem das coisas inúteis, pois não se faz arte para possuir um caráter utilitário. Depois eu descobri que apesar de inútil, ela serve pra mudar o mundo, para a sensibilidade, para o pensamento, ou seja, a arte é fundamental para o ser humano.
A algumas semanas entendi meu papel dentro da arte, o de sua historiadora. E o papel do historiador da arte é o de preservar, trazer à tona e refletir sobre aquilo que não deve ser esquecido.
Continuo lendo, revendo, estudando e aprendendo cada dia mais.

 Registro meu de uma obra do artista Sigurdur Gudmundsson que estava na 30ª Bienal de São Paulo, 2012.

Regina Silveira

Hoje saiu a premiação da ABCA - Associação Brasileira de Críticos de Arte, e nessa premiação, na categoria de artista pela trajetória (Prêmio Clarival Prado Valladares) venceu a artista Regina Silveira.
Eu admiro muito essa artista e realmente acredito que ela mereceu esse prêmio, pela sua grande competência. A Regina Silveira tem uma trajetória ímpar na arte brasileira.
Segue aqui então algumas obras da artista, que trabalha com questões de perspectiva, luz, sombra, simulacro, anamorfose, tromp l'oeil, etc.

 Lumen, 2005. Palácio de Cristal, Parque Del Retiro, Madrid, Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia.






In Absentia: M.Duchamp, (série Masterpieces), 1998. Vinil adesivo e madeira, 4 x 10 x 2 m, Coleção Jack S. Blanton Museum of Art, University of Texas at Austin, USA.


Transitorio/Durevole, 1998. Em colaboração com Mirella Bentivoglio, recorte de madeira, 6 m2.

As imagens acima foram retiradas do site da artista: http://www.reginasilveira.com/


Em visita à exposição Mil e um dias e outros enigmas na Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre 2011.



terça-feira, 5 de março de 2013

"Por que nunca existiram grandes artistas mulheres?"

Nesta semana onde se comemora o Dia Internacional da Mulher, folheando um livro me deparo com a seguinte questão:

"Em 1971 a historiadora da arte Linda Nochlin publicou um ensaio colocando a questão "Por que nunca existiram grandes artistas mulheres?" Na resposta, ela apontou para as práticas dos curadores e diretores de museus e galerias, bem como para os valores inculcados e reforçados pela história da arte. (...) A linguagem da história da arte e da crítica da arte nem sequer reconhecia as mulheres para que pudesse negá-las. Em vez disso, ela presumia que as mulheres simplesmente não precisavam ser consideradas." 
(ARCHER, Michael. Arte contemporânea Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p.125)

Quando leio isso e penso a respeito da história de nosso mundo tão moderno e tecnológico, fico refletindo à quantas mulheres ainda são impostas a privação do pensar e das atitudes, por seus pais, namorados e maridos e por outras mulheres também, porque não há somente homens com pensamentos retrógrados. Já avançamos muito, é verdade, mas as estatísticas da violência contra a mulher não me deixa mentir de que o mundo ainda precisa melhorar muito até chegar à condição de igualdade para todos.

domingo, 3 de março de 2013

Entrevista com Paulo Herkenhoff


Ótima entrevista para pensar sobre nossos museus!

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1237631-leia-a-integra-da-entrevista-com-paulo-herkenhoff-diretor-do-museu-de-arte-do-rio.shtml

28/02/2013 - 03h00

Leia a íntegra da entrevista com Paulo Herkenhoff, diretor do Museu de Arte do Rio

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FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
DO RIO 

"Não queremos um museu que seja vitrine, não é um museu dos grandes fetiches, dos recordes de aquisição, mas onde as coisas entram porque podem produzir algum sentido. É um museu de produção de pensamento."
Essa é a defesa entusiasmada de Paulo Herkenhoff, diretor cultural do Museu de Arte do Rio (MAR). Ele fala do espaço com a empolgação de alguém prestes a concretizar um sonho. "Prometi a mim mesmo que não trabalharia mais em museus, mas não resisti a esse projeto", confessa.
Leia a íntegra da entrevista com Paulo Herkenhoff, diretor do Museu de Arte do Rio, que abre na próxima sexta-feira (28).
*
Folha - O Rio precisa de mais um museu? Paulo Herkenhoff - O Rio precisa de um museu que está a altura da tarefa civilizatória de um museu. A primeira tarefa de um museu é colecionar. Qual museu do Rio está colecionando?
O Museu Nacional de Belas Artes?
Só porque comprou um Portinari? Mas há quanto tempo não comprava?
Mas é preciso construir um novo museu para começar a colecionar?
Uma nova instituição, já que o Belas Artes está como está. Os museus privados têm grande dificuldade de sobrevivência e os públicos estão atrelados à burocracia, ao aparelhamento.
O Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) não teve dinheiro para comprar um desenho de Tarsila do Amaral sobre um poema de Oswald de Andrade, mas tinha dinheiro para pagar ônibus para a claque. O Ibram não representa a museologia brasileira, representa uma visão do Estado, personalizada, sobre museus. O que está sendo construído para o acervo do Belas Artes?
A minha pergunta é: arte é necessária? Quando você me pergunta se mais um museu é necessário, eu pergunto: mais uma pintura é necessária? Mais uma fotografia é necessária?
Elas são necessárias porque são da maneira que são, são significativas para a sociedade. Senão, é mais um lixo que vai ser acumulado e vai parar na feira.

Paprica Fotografia
Paulo Herkenhoff, diretor cultural da nova instituição de arte do Rio
Paulo Herkenhoff, diretor cultural da nova instituição de arte do Rio
Você tem metas para o aumento da coleção?
Eu sou borgeano, freudiano e warburguiano [referente ao historiador da arte alemão Aby Warburg (1866 - 1929)]. Parar de colecionar é conversar com a morte. O que é a pulsão de vida em um coleção é a coleção viva, continuando. Eu sou warburguiano pelas formas transversais. Estou muito interessado em livros de artistas.
Eu escrevi um artigo chamado "Pum e cuspe no museu" para lidar com os pequenos atos, para quem não entende o conceito de "inframince", de Marcel Duchamp, em que ele fala dos pequenos fatos na vida que nos atordoam, que criam diferença, que nos capturam no estranhamento.
Para isso, ele cita como exemplo o roçar da calça de veludo como um som que se dispara e nos dá uma outra percepção do mundo. Se eu não souber diferenciar um "inframince" de um barulho qualquer, eu posso achar que isso é um pum.
Da mesma maneira, se eu não estudar o informe, certos pequenos gestos, eu vou pensar que o escarro, que é origem da noção de informe, é cuspe. Aí, eu não vou entender a obra do porco empalhado do Nelson Leirner. Eu vou achar que é porco, e a obra é arte, assim como posso pensar que é arte, quando é apenas porco.
E, para terminar com Borges, ele dizia que os argentinos tinham direito a Hamlet e ao cosmos.
Você diz que o MAR não é um museu de eventos, você acha que os museus no Brasil são muito preocupados com eventos?
Não sei. Posso dizer que este [o MAR] não é um museu de eventos. É o museu necessário. Há dez anos eu quis fazer um programa de educação para atender 200 mil crianças de rede municipal e me puxaram o tapete. Este projeto aqui era para o Museu de Belas Artes. A ideia de um museu para a rede pública era de 2003.
E por que não aconteceu, quando você era diretor do Museu de Belas Artes?
Porque o dinheiro foi negado. Então qual é missão de um museu no Rio? Primeiro, colecionar. Quais museus do Rio têm missão clara? Acho que o MAM (Museu de Arte Moderna) está construindo uma visão clara, tem um programa de exposições muito importante, um programa de debates, mas não está colecionando. Sem colecionismo não existe ideia de museu.
Qual era a ideia original? É verdade que se pensou em uma Pinacoteca, ou em um museu para guardar o acervo de Roberto Marinho?
Sobre isso você nunca vai ver algo escrito, apenas intriga. Quem disse isso? Intriga é fácil fazer.
Mas Pinacoteca era a ideia original...
Não vamos misturar alhos com bugalhos. Esse é um museu da cidade do Rio para a população do Rio, pensado para a rede pública municipal de ensino. Se for bom para a rede pública, será bom para os cidadãos do Rio, e se for bom para o cidadão do Rio, será bom para os turistas. Se a gente fizer um museu que discuta bem o Rio, vai ser bom para nós e para o Rio. Esse é o primeiro ponto.
Esse museu, inicialmente, foi pensando, não por mim, para abrigar, temporariamente, coleções privadas, mas sem nenhuma conexão com os organizadores do museu. Ou seja, era um museu que parecia museu mas não era. Museu sem coleção é centro cultural. Isso foi entendido. A ideia de chamar Pinacoteca não é minha, mas o nome Museu de Arte do Rio de Janeiro é meu. Pinacoteca é coleção de pinturas, então seria inadequado. Temos que ser lógicos na escolha das palavras.
Quando se incorpora o nome museu, incorpora-se tudo que é da civilização de museus: que forma coleção, que estuda sua coleção, que registra. Nós temos trabalhos já começados a serem feitos com universidades para o estudo da coleção.
Não é um museu que tem um penduricalho de gente, mas que trabalha com muita gente. De uma universidade vêm 12 professores, o que é um trabalho de troca mútua, porque não envolve dinheiro. A universidade quer pesquisar, nós desejamos pesquisadores e é a universidade que define a pauta. Nós não vamos substituir a universidade, mas ser um espaço de reflexão.
Mais: não tem "interior decoration", não tem shopping. Tudo aqui tem sentido. Se você me perguntar sobre qualquer obra que você viu, eu vou lhe explicar porque ela está na coleção, porque ela está na exposição e porque ela está naquela posição na exposição. Eu não prego uma obra na parede sem saber que obra é essa, qual seu sentido histórico, qual é sua relação em uma exposição. Eu não faço decoração de interior e nem defendo consumo.
Estamos em um momento no Brasil que o mercado define as relações com a arte?
Quais são as notícias que mais saem nos jornais? O mercado é necessário, mas é necessário na instância própria do mercado.
Esse museu é um trabalho onde a sociedade civil participa em um eixo entre o Estado e o mercado, cada um em uma posição. Isso se chama esfera pública na teoria habermasiana. Qual é o lugar da arte na esfera pública do Rio? Quais são os museus que estão introduzindo a esfera pública, pensada como tal?
Quando eu digo que nós temos mais de 40 fundos, isso significa que nós temos mais de 40 decisões de apoiarem a constituição de um acervo para o Rio, para o sistema educacional.
Como eu disse, não é cultura do espetáculo. Não há preocupação com recorde. Eu não disse em nenhum momento o valor de uma obra. Eu não falei de raridades.
Eu digo que a incorporação mais importante no MAR é a aquisição de um Aleijadinho, o que não havia em nenhum museu da cidade. É preciso pensar o que significa uma cidade que não tem Aleijadinho e nem o está buscando, em termos da história da arte brasileira e o que ele representa no presente, como ele alimenta o presente em valores simbólicos e para a população afro-brasileira.
Há uma questão essencial no MAR que é a preocupação com o educativo, mas museus, como o MAM nos anos 1960, tiveram uma papel importante para estimular a produção artística. Existe essa preocupação aqui?
Há alguns pontos que sustentam o arco da educação no MAR, entre esses pontos há um projeto de pequenos cursos profissionalizantes para adolescentes das comunidades, sem grandes oportunidades, que é como ensinar fazer moldura, montar uma exposição, ou seja, preparar jovens que possam adquirir uma profissão. Isso já está em marcha.
Depois teremos também seminários de curadoria, coordenados pela Lisette Lagnado. Isso ainda não começou, talvez no segundo semestre, ou mesmo no ano que vem. Mas a ideia é ter seminários, que durem três ou quatro meses. Primeiro as pessoas passam uma semana no Rio, depois viajam e voltam.
Depois nós vamos ter residências de artistas. Já temos autorização para alugar uma casa no Morro da Conceição, só não está sendo trabalhado agora, porque a prioridade é o processo de institucionalização.
O Rio tem uma dificuldade para criar um sistema de massa de arte e educação. Qualquer capital importante, você pega Belém do Pará, por exemplo, eles levam dez mil crianças ao Arte Pará, com monitoria, ônibus, pessoas que ajudam. Isso em Belém do Pará, na Amazônia, um lugar distante, fora do sistema de lei Rouanet.
Você vai a Porto Alegre e há uma tradição histórica. Há 30 anos eu vou a Porto Alegre, com a Evelyn Ioschpe, e há 30 anos já se trabalha lá com arte e educação.
Na Bienal de São Paulo, eu levei 200 mil crianças, um projeto de massa. E isso é muito importante. Temos dois desafios: um é como você traz, não é fácil trazer, custa dinheiro; o outro problema é como você individualiza, lidando com a massa, quais os sistemas de poder que se estabelecem e precisam ser rompidos.
O professor de arte não é o que não sabe, é o que pode. Se você diz que uma curadoria é um saber superior, você diz que o professor, que rala com a criança, não sabe. Claro que ele sabe, inclusive dar a dimensão da incomunicabilidade.
Nesse sentido, o MAM do Rio tem um trabalho importante, o [Guilherme] Vergara, no MAC de Niterói, tem um trabalho importante, a Casa Daros vai ter um papel importantíssimo. Mas cadê os outros museu? Eles não têm recursos.
E o papel dos centros culturais, como o CCBB?
É bom, mas eles têm outra dimensão. Há os centros culturais financiados por empresas, que têm uma necessidade de performatividade importante, ligado ao sistema de marketing. O banco fez 150 anos, tem uma campanha vinculada a crianças, então faz uma exposição de novos artistas. Isso não é o que a gente quer. A gente quer independência. A gente não pretende ter a maior visitação do ano.
Nós pretendemos explorar ao máximo o resultado social do custo financeiro que tem um museu. Quanto custa para a cidade produzir um museu como esse? Esse custo tem que ser defendido a cada centavo, ele tem que produzir uma irradiação correspondente. Eu sei fazer uma exposição bonita, mas fazer uma exposição que realmente signifique algo para pessoas que nunca vieram ao museu é o nosso desafio.
Como receber uma pessoa que cruza esse espaço desconhecido, que para ela é uma barreira social, já que ela nem sabe se está vestida corretamente, ela tem medo de se comportar. Isso tudo tem que ser visto com enorme afetividade.
Mas metade da verba para o funcionamento do museu será buscado no mercado, via Lei Rouanet...
Não uso esse conceito de mercado porque eu não trabalho com produtos. Nunca trabalhei com produtos. Trabalho com livros, curadorias, textos, aulas, visitas mediadas, esse é meu processo.
O mercado é muito importante, mas dentro do MAR há um grupo de empresários que vai trabalhar isso, mas não para desenvolvimento econômico, e sim para desenvolvimento social. E nós seremos avaliados por isso, por instituições como a Fundação Roberto Marinho, que tem a Vera Guimarães, que nos anos 1960 foi assistente do Paulo Freire, e já alfabetizou cinco milhões de crianças.
Como é a estrutura do MAR?
Nós não queremos uma penca de gente aqui, nós queremos abrir espaço para as pessoas. Por isso, a exposição da coleção Fadel, eu estou fazendo junto com o [Roberto] Conduru, que é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A exposição do Rio é feita por um professor universitário e um curador da Pinacoteca de São Paulo e professor da USP. Não se trata de criar um corpo burocrático com funcionários donos de seus espacinhos. Isso é um museu onde o pensamento é vivo. A biblioteca vai começar, em julho, com 5 mil volumes. Você tem ideia de como estão as bibliotecas do Rio? O Museu Nacional de Belas Artes tem comprado livros? Comprar livros não dá resultado político!
Eu não vou mudar o mundo, mas com essa equipe a gente pode transformar essa cidade. Eu vou trazer o [filósofo francês Jacques] Rancière, o [cineasta alemão Harun] Farocki, o [historiador francês] George Didi-Huberman, mais os do Brasil, como o Daniel Lins, especialista em Deleuze, no Ceará, isso vai transformar o Rio.
O Rio ficou à margem, o que se passa de importante no Rio de Janeiro, que realmente produza transformação? Eu sempre salvo o MAM, porque acho que ele faz um trabalho sensacional, mas o MAM não esgota as necessidades do Rio.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

"O espelho é uma utopia porque é um lugar sem lugar. No espelho vejo-me onde não estou, num espaço irreal que se abre virtualmente por trás da superfície, estou além, além onde não estou, espécie de sombra que me devolve a minha própria visibilidade, que me permite olhar-me além onde estou ausente: a utopia do espelho." 

Michel Foucault - Des espaces autres, Conferência proferida no Cercle des études architecturals, 14 de Março de 1967, publicada en Architecture, Mouvement, Continuité, nº 5, Outubro de 1984. Apud David Barro - Desenhando com tesouras a linha d horizonte In: Tatiana Blass

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

O corpo em cena de Dora Longo Bahia


O corpo em Dora Longo Banhia está principalmente em meio a cenas de violência e guerra. A artista é paulistana, nascida em 1961. É uma artista multimídea, que trabalha com performance, ilustrações, fotografia e vídeo e a partir da década de 90, suas pinturas carregam temas como morte, violência e sexo. Mas suas obras também exploram, mais recentemente, uma questão da territorialidade, como Gel Poetics ou Escalpo Caioca

Com relação ao tema do corpo em cena, a artista possui obras em que se coloca no cotidiano violento, e outras aparentemente mais brandas, como no caso da série Imagens Infectadas (figura 1) de 1999. Essa série apresenta imagens tidas como “comuns” a qualquer pessoa, como as que guardamos no álbum de fotografia, para lembrar momentos importantes ou pessoais. São imagens que guardam cenas da vida cotidiana. Agnaldo Farias no texto Let it Bleed, nos aponta ainda que essas imagens estão alteradas pela ação dos fungos que a destroem com o tempo, na ação do calor e da luminosidade, as imagens de boas lembranças que queremos guardar são descoloridas, ficam sem vida em tons pastéis.  O autor ainda lembra que a fotografia é pensada para durar, mas essa durabilidade é efêmera, assim como a durabilidade do corpo humano retratado na fotografia. A imagem apenas estende um pouco a existência desse corpo através de sua reprodução. 

Podemos ter essa leitura poética de Agnaldo Farias ou também pensar em algo mais fictício. Em um mundo assombrado pela ideia de fim dos tempos, o cinema está repleto de exemplos de filmes, séries e criações de histórias fictícias sobre diversos vírus que poderiam se espalhar pelo planeta, atingindo a maioria da população mortalmente. Desde a adaptação de Seramago em Ensaio sobre a cegueira ou de Eu sou a Lenda. 

Nas fotografias de Dora Longo Banhia vemos respingos do que poderia ser sangue, contaminações através de espirros, que um dia dizimaram boa parte da população e o que restou, foram as lembranças do mundo comum retratado nas fotografias. 

Figura 1.Dora Longo Bahia. Sem título – da série Imagens Infectadas. Serigrafia e água tinta sobre papel, 2011.



FARIAS, Agnaldo. Let it bleed . <http://www.galeriavermelho.com.br/pt/artista/75/dora-longo-bahia/textos>. Acesso em: 31 de out. 2012.

ITAÚ Cultural: Enciclopédia Artes Visuais. Dora Longo Bahia. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_IC/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia&cd_verbete=1553&cd_idioma=28555>. Acesso em: 31 de out. 2012.